segunda-feira, 22 de novembro de 2010

CARTA A UM ILUSTRE DESCONHECIDO...

Permita-me o desabafo, ilustre desconhecido...
Estou em uma crise de identidade, ou sei lá que crise é...
Sei que dependo de você para que
me encontre e volte a ser feliz...
Preciso de você para recuperar os sonhos de acadêmica...
E o orgulho de ser advogada..
Exponho minha história,
e você ajuda meu reencontro comigo mesma..

Vamos lá...
Sou aquela que ouviu por cinco anos nos bancos escolares:
“Dê-me o fato que te dou o direito...”.
E hoje tem que deixar claro aos seus clientes
Que um fato admite diversas hipóteses de direito...
E ADMITE?!
Sou aquela que ouviu falar que ao Promotor de justiça
Cabia literalmente PROMOVER JUSTIÇA
E hoje ouve da boca de alguns promotores
Que seu dever é postular pela condenação,
E que pedir a absolvição jamais...
Sou aquela que luta diariamente para sobreviver,
Que tem família, filhos, problemas financeiros e de saúde,
Muitos problemas de saúde,
Frutos da pressão do dia a dia, das injustiças,
Das tristezas!!!
Mas que levanta diariamente e assume uma postura forte,
Sorri a cada dia,
E diz aos seus clientes que a JUSTIÇA SERÁ FEITA?!?!?!?!?!
SERÁ?
Sou aquela que vê muitos de seus colegas
 digladiando-se entre si,
Brigando por clientes como se fossem os últimos pedaços de pão para quem tem fome (às vezes até são)???
Não obtém respeito entre eles mesmos,
E entre a sociedade em que militam,
Perdem o respeito e o amor próprio,
Contaminam-se!!!
Sou aquela que vê seus clientes serem tratados como animais,
Com duas algemas nas mãos,
Marca passo,
Correntes que ligam as mãos aos pés,
Sem direito a diversos tipos de alimentos,
Em celas isoladas,
Totalmente desligados do mundo exterior
E SEM ESTAREM EM REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO!!!...
Para eles não há VEP, não há OAB, não há MINISTÉRIO PÚBLICO,
Não existem DIREITOS HUMANOS!!
E ainda dizem que a pena tem caráter ressocializador!!!
Alguns dirão e os direitos das vítimas???
E eu responderei:
Falo de presos provisórios,
Presumivelmente inocentes até a sentença transitada em julgado,
Muito embora hoje todos sejam presumivelmente culpados
Até conseguirem provas de suas inocências!!!
E lembrei ainda:
Estão matando-os aos poucos,
Transformando-os em animais!!!
Porque não instituir a pena de morte então???
Sou aquela que chega para audiências
Com dez, vinte, trinta minutos de antecedência
E vêem tais se realizarem,
Uma, duas horas depois, ou sequer se realizarem...
E se deixar o local mesmo que seja uma hora após,
 sem autorização judicial,
O MM a realiza nomeando outro defensor para aquele ato...
Também tenho que explicar às testemunhas,
aos réus, aos familiares...
Lotando os pequenos corredores do fórum,
O porquê de tanta demora que muitas vezes eu nem sei!!!
Seria o grande número de réus,
De audiências,
A pauta abarrotada???
Então é hora de criar novas varas,
E criar um regime de exceção para que se dê conta!!!
Sou aquela que impetra um habeas corpus...
Que permanece uma semana, dez, quinze dias
na mão de um desembargador
Ou Juiz do Tribunal de Justiça,
E vê na internet,
Algumas liminares serem concedidas
Em até menos de vinte e quatro horas...
E tem que explicar para a família o porquê de tanta demora,
O porquê de tanto tratamento desigual,
De onde eu tirei que todos são iguais perante a lei????
E ainda tem que ouvir outro profissional dizendo que faria melhor!!!
Sei que é estranho, mas muitos presos têm família sim,
Tem mãe, pai, esposa e filhos...
Isto, até filhos...
Sou aquela que ingressa com pedidos de liberdade,
Defesas extensas,
Devidamente fundamentadas,
E ouve um escárnio geral,
Onde dizem por que escrever tanto se ninguém lê,
E o pior??.
Acredita que alguém há de ler seu trabalho,
Entender o que diz,
E fazer a verdadeira justiça que procura...
Sou aquela que tem que explicar ao cliente,
Embora nem sempre entenda,
Porque muitas prisões preventivas
são decretadas sem fundamento,
Mantidas perante o tribunal estadual sem o mesmo...
E ainda,
Explicar à família que em Brasília
as coisas são muito demoradas,
E muitas vezes os pedidos só são julgados
após o termino da ação penal,
E uma vez mais ouvir o colega dizer que teria feito melhor!!!
Sou aquela que tem que explicar ao cliente,
Também sem entender,
Por que a instrução criminal para o reconhecimento
de excesso de prazo termina
com a oitiva das testemunhas de acusação,
Se teoricamente o que se busca é a verdade,
E a ampla defesa,
Não pode nem deve descartar as testemunhas de defesa!!
Tenho que achar isto no Código de Processo Penal e não acho...
Na Constituição, e não acho...
E o tal princípio da razoabilidade?
Quem disse que ele deve ser interpretado contra o réu???
Sou aquela que vive sobre pressão dos seus clientes,
E de seus familiares (esqueci dos meus familiares também),
E deve sempre uma resposta firme, convincente,
Sem que muitas vezes entenda o que realmente acontece...
Sou aquela que entra em uma sala de audiência,
Naquelas mesas em formato de T,
Onde ao centro esta o MM Juiz,
À sua direita, como à direita do pai o Agente Ministerial,
À sua esquerda o escrivão,
E lá no final do T eu,
Euzinha e outros tantos advogados,
Como se menos importantes fossemos para a JUSTIÇA!!!
E muitas vezes, desculpe o desabafo,
somos considerados assim mesmo!!!
Sou aquela que em alguns Juízos
tem que pedir autorização para falar com o Juiz,
E muitas vezes ele está muito ocupado para nos atender...
Sou aquela que vê processos permanecerem
Por intermináveis meses nas mãos de Juízes,
Mas que se não observar os prazos
Corre o risco de ser intimada
para devolvê-lo em vinte e quatro horas...
E eu lá posso intimar alguém???
Quero deixar claro, neste momento,
Que existem Juízes e Promotores
que me trazem o tal orgulho de acadêmica,
E me mantém viva a chama da Justiça...
Mas que num todo...
Eu tenho me perdido no que vem acontecendo...
Eu tenho perdido meu centro...
Minha identidade...
Meus problemas de saúde afloram,
Tristeza e pânico tomam conta
de muitos momentos em minha vida...
Simplesmente porque não vejo muitas vezes a justiça ser feita...
Deixo claro que não quero favores,
Milagres, dúbias interpretações...
Absolvições de culpados...
QUERO QUE A JUSTIÇA SEJA FEITA...
Que as provas sejam apreciadas com igualdade...
Que não se inverta o ônus da prova...
Que não se criem subterfúgios
para se justificar falhas processuais!!!
Que não se usem máscaras negras, como justiceiros,
E que reconheçam que não são penas longas,
Condenações injustas,
Que diminuirá na sociedade a sensação
de insegurança e impunidade,
E tampouco que recuperarão e devolverão à sociedade
Homens honrados, RESSOCIALIZADOS!!!
Que não se finja que não se vê as atrocidades,
Que são cometidas em nome da segurança,
Da justiça, dentro e fora do sistema prisional!!!
Nas ruas, nas invasões,
Nos camburões, nas delegacias!!!
Agora, volto ao questionamento inicial...
Preciso reencontrar-me...
Onde me perdi???
Será que foram nos sonhos,
Na crença, nas esperanças,
Ajude-me...
Mostre-me que eu estive perdida apenas
 por um curto espaço temporal,
Que ainda há tempo para achar o caminho certo,
E que minhas esperanças não podem ser perdidas,
Que meu sangue deve correr quente
sempre em busca da justiça,
Que os percalços continuarão a existir,
E que todo sofrimento é suportável,
Quando se alcança o resultado que se espera...

Mesmo que ninguém me responda,
Que ninguém me ajude,
Que absolutamente nada mude,
Permita-me meu Deus,
Que quando eu tiver que escolher
entre a legalidade e a justiça
Eu escolha a JUSTIÇA,
Vez que as leis mudam,
Mas a verdadeira justiça... JAMAIS!
 (Sandra Regina Rangel Silveira)

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