quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Quando nos apaixonamos, ou estamos prestes a apaixonar-nos, qualquer coisinha que essa pessoa faz – se nos toca na mão ou diz que foi bom ver-nos, sem nós sabermos sequer se é verdade ou se quer dizer alguma coisa — ela levanta-nos pela alma e põe-nos a cabeça a voar, tonta de tão feliz e feliz de tão tonta.
E, logo no momento seguinte, larga-nos a mão, vira a cara e espezinha-nos o coração, matando a vida e o mundo e o mundo e a vida que tínhamos imaginado para os dois. 
Lembro-me, quando comecei a apaixonar-me pela Maria João, da exaltação e do desespero que traziam essas importantíssimas banalidades. 
Lembro-me porque ainda agora as senti. 
Não faz sentido dizer que estou apaixonado por ela há quinze anos. 
Ou ontem. 
Ainda estou a apaixonar-me.
Gosto mais de estar com ela a fazer as coisas mais chatas do mundo do que estar sozinho ou com qualquer outra pessoa a fazer as coisas mais divertidas. 
As coisas continuam a ser chatas mas é estar com ela que é divertido. 
Não importa onde se está ou o que se está a fazer. 
O que importa é estar com ela. 
O amor nunca fica resolvido nem se alcança. 
Cada pormenor é dramático. 
De cada um tudo depende. 
Não é qualquer gesto que pode ser romântico ou trágico. 
Todos os gestos são. 
Sempre. 
É esse o medo. 
É essa a novidade. 
É assim o amor. 
Nunca podemos contar com ele. 
É por isso que nos apaixonamos por quem nos apaixonamos. 
Porque é uma grande, bendita distração vivermos assim. Com tanta sorte.

Miguel Esteves Cardoso, in ‘Jornal Público (14 Fev 2012).

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